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sexta-feira, 26 de agosto de 2016


"Mas o que há assim de tão perigoso por as pessoas falarem, qual o perigo dos discursos se multiplicarem indefinidamente? Onde é que está o perigo? É esta a hipótese que eu queria apresentar, esta tarde, para situar o lugar — ou talvez a antecâmara — do trabalho que faço: suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade. É claro que sabemos, numa sociedade como a nossa, da existência de procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é o interdito. Temos consciência de que não temos o direito de dizer oque nos apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer circunstância, que quem quer que seja, finalmente, não pode falar do que quer que seja. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: jogo de três tipos de interditos que se cruzam, que se reforçam ou que se compensam, formando uma grelha complexa que está sempre a modificar-se. Basta-me referir que, nos dias que correm, as regiões onde a grelha mais se aperta, onde os quadrados negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política: longe de ser um elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica, é como se o discurso fosse um dos lugares onde estas regiões exercem, de maneira privilegiada, algumas dos seus mais temíveis poderes. O discurso, aparentemente, pode até nem ser nada de por aí além, mas no entanto, os interditos que o atingem, revelam, cedo, de imediato, o seu vínculo ao desejo e o poder. E com isso não há com que admirarmo-nos: uma vez que o discurso — a psicanálise mostrou-o —, não é simplesmente o que manifesta (ou esconde) o desejo; é também aquilo que é objeto do desejo; e porque — e isso a história desde sempre o ensinou — o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos." A Ordem do Discurso - Michel Foucault.

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