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quarta-feira, 30 de abril de 2014




 
 
JUFRAN ALVES TOMAZ.

ASSIS, Machado de. Contos: a igreja do diabo. São Paulo: Ciranda Cultural, 2010. – (Clássicos da Literatura).

“Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.”
Machado de Assis.

PRIMEIRAS PALAVRAS

Nosso estudo apreciará de forma sucinta o gênero textual denominado conto literário numa concepção em que o narrador é apresentado no texto em análise (a igreja do diabo, de Machado de Assis), sob as ideias do norte-americano Norman Friedman (2002). Vale ressaltar que alguns conceitos mencionados aqui nos remetem às palavras do Doutor Andrey Pereira De Oliveira, citadas na apostila organizada para o curso de especialização em literatura Afro-Brasileira – UFRN, 2014.
Machado de Assis (1839-1908), representante do movimento literário denominado de “Realismo” no Brasil, por meio do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas e sob a influência de Tobias Barreto (Escola de Recife), Flaubert (romance Madame de Bovary), introduz por meio de seus contos o gosto pelo detalhe nas informações contidas em seus textos, favorecendo ao leitor curioso e interessado em suas obras, discussões que abordem os personagens para além da ficção, indo de encontro as determinações mais diretas, que emanariam dos problemas sociais diversos, de linguagem requintada sem deixar de forma amorfa a estrutura/norma popular da língua (variação linguística) em suas produções escritas. Características sociais que acompanham a própria humanidade como: privações e diferenciais de acesso a bens e serviços (em o alienista vemos o não recebimento de internos no manicômio), a pobreza associada à desigualdade social (em Quincas Borba, revelando um personagem pertencente à classe dominante economicamente da época, que impõe sempre sua superioridade sobre os mais pobres) e a perversa concentração de renda, revela-se numa dimensão mais complexa na obra de Machado de Assis – por meio da ironia, que aparece com o objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar essa realidade. Para tal, o autor descreve a miséria, a desigualdade, a falta do indispensável com termos aparentemente valorizantes, mas com a finalidade de desvalorizar. A ironia convida o leitor ou o ouvinte, a ser ativo durante a leitura, para refletir sobre o tema e escolher uma determinada posição.
Segundo GOLDSTEIN (2006), tanto o conto quanto a novela podem abordar qualquer tipo de tema. É preciso problematizar o espaço social e considerá-lo como um campo complexo constituído pelas inúmeras variáveis que compõem as práticas sob as quais se estabelecem as relações entre os diversos grupos humanos de uma sociedade.

GÊNERO DA OBRA

Em “A Igreja Do Diabo”, conto dividido em quatro (04) capítulos, o Diabo por meio de seus conhecimentos, suas preocupações, sua dedicação em querer a todo custo agregar o máximo de seguidores possíveis à sua causa, encontra entusiasmo ao “ir ter com Deus para comunicá-lo a ideia” (ASSIS, 2010: p.07) de fundar uma instituição religiosa capaz de integrar de forma efetiva os seres humanos insatisfeitos com o modelo religioso vigente, que sistematiza a fé sob doutrinas teológicas, uma relação achegada com Deus, de íntima amizade, por aprenderem mais sobre “Ele” e cumprirem a sua vontade. Por isso, o Diabo certo de que a vaidade absorve-se na alegria que advém das mínimas vantagens pessoais, sem se dar conta dos verdadeiros valores morais, ressalta seu projeto de criação de uma igreja na qual possa ser adorado à verossimilhança do seu rival, Deus. Para o professor Andrey (Apostila/2014), “algo interessante que diz respeito à personagem de ficção é que, apesar de ela não ser um ser real, quando bem realizada por um escritor competente, ela transmite aos leitores a impressão de que são seres de verdade”.
A onisciência editorial é marcada pelos aspectos irônicos do narrador. O Diabo tenta em suas prédicas convencer os homens de sua doutrina, desconstruindo a má reputação que lhe atribuíram desde a gênesis da humanidade (relação Adão – Eva – Serpente, como símbolo ou personificação do Diabo). Como afirma ASSIS (Idem, p. 10):
“- Sim, sou o Diabo – repetia ele -; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo…”
O Diabo preferiu comentar sua situação de desprezo oficializada pelo cânone sagrado (manuscritos bíblicos são utilizados como referências pelo narrador), como preconceito, desdém por parte de um Deus que influencia os escritores da obra, em sua totalidade, a simplesmente relega-lo ao segundo plano nessa epopeia narrativa em que o bem é representado por Deus e o mal pelo próprio Diabo.
A crítica do narrador, aqui, apresenta um Diabo intelectual, muito mais para ser refletido que, propriamente seguido. Sua representação consegue manter o leitor atento, tenso com o desenrolar da ação e é capaz de levá-lo ao entendimento das ideias que subjazem ao texto. Em verdade, o autor criou um Diabo com estilo diferenciado, inconfundível do que nos é apresentado na tradição cultural e de cunho religioso tradicional em nosso país, no mundo.
Assim, o primeiro capítulo revelam as angustias sofridas pelo Diabo frente a desorganização histórica da humanidade, decide fundar sua própria igreja e suas regras de fé. No segundo capítulo, é apresentado a Deus uma série de credenciais, informações meritocráticas da autoria do Diabo que devem indicar a garantia para concessão de uma nova instituição religiosa e titulação de líder religioso. Merece destaque que Deus mesmo discordando das ideias do rival de séculos, em nenhum momento deixa de considerar “liberum arbitrium” necessário para o Diabo seguir em frente em sua decisão. De acordo com ASSIS (2010: p. 09): “- Retórico e sutil! – Exclamou o Senhor. – Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens… Mas, vai! Vai!”
No terceiro capítulo, é dito aos homens o tipo de igreja que será estabelecida na terra, objeto que visa agregar multidões e multidões de homens aos cuidados do Diabo. “ A soberba, a luxuria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada” (Op. Cit. p. 10).
No último capítulo, o Diabo passivo diante da manifestação das pessoas em lhe desobedecerem, cometerem “pecados” ao retornarem à pratica do bem, sob manifestação crítica sobre o que para ele é um ponto obscuro, difícil de compreender, apresenta-se novamente a Deus, desejoso por uma explicação para o caos estabelecido em sua igreja. Finalmente, Deus indica ao Diabo o paralelismo que é necessário fazermos da realidade/ilusão, falso/verdadeiro, loucura e lucidez, a verdade das relações humanas e a mentira social. Não adianta o Diabo rebelar-se ao estabelecido, contra a ideia de que o homem é o que ele quer que seja. Ao tentar modificar essa estrutura da vida, os homens é quem lhe imporiam uma máscara (de fiéis discípulos), roubando-lhe a paz, sendo insubservientes aos seus caprichos.
Deus apoia-se no enigma humano que é lucidez/loucura, ser/parecer. Parafraseando Guimarães Rosa (1956): a ligeireza da vida, a corrida do tempo nos dá nó no estômago, a hidrólise diária, ora quente e noutra fria, provoca dor e alívio, é o impulso nervoso, o (des)controle humano. “Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe: - Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana” (ASSIS, 2010: p. 13).

DEDUÇÃO FINAL

As sociedades que até hoje existiram tentaram explicar essas condutas antagônicas entre Deus e o Diabo pela via mais cômoda e menos eficiente, a saber, reprimindo as ações do anjo expulso do céu à terra, com o emprego da força – a palavra, de um Deus que fundiu no indivíduo sua vontade com a de seus pares (diversos líderes religiosos), mas utilizaram o meio errado: as brechas para a entrada no paraíso da serpente (o Diabo), que ajudaria no processo de tomada de consciência do casal humano que habitavam o lugar de sonhos. O conhecimento sobre o bem e o mal, adquirido por todos os homens. Logo, se todos os homens agora têm consciência argumentativa, Adão também adquiriu esse atributo. Por sua vez, Adão tem consciência do bem e do mal, do certo e errado, do amor e ódio, reconhece quem é Deus e o Diabo. Premissas inerentes ao homem desde sua origem.
Pode-se pensar o conto de Machado de Assis como uma sucessão de eventos, que marcam o estilo de escrever do autor, sobre as catástrofes e calamidades pela qual passam todos os seres humanos em determinado momento e a garantia de um novo dia, livre dessas intempéries. Alívio e pressão, bem e o mal estão a todo o momento se enfrentando na batalha às vezes invisível, mas real de nossas consciências; sob a máscara delicada usada pelos carrascos para enganar as suas vítimas ou na intenção da mão solidária em ajudar alguém. Os homens sobrevivem nessa paisagem/cenário “saturado” no qual se interligam por ligações complexas entre as muitas contradições que lhes pertencem, determinam seu modo de agir em sociedade e lhe indicam como flecha que atinge o centro do alvo (por meio de leis sociais, através da literatura), os elementos necessários para defenderem-se ou condenarem-se à uma vida em desarmonia com o “Estado” – a forma pela qual os grupos sociais se orientam para agirem em consenso ou sob repressão na sociedade.
Assim, as instituições religiosas, que sofrem também mediações do Estado e recebem uma forma política de organização (condições materiais - doutrinas, líderes, templos entre outros), promovem na ilusão/verdade, liberdade/escravidão, dá suporte a consciência humana que guia e até mesmo determina as ações individuais como base de sua estrutura social. Está de acordo com Deus e em desacordo com o Diabo é está em harmonia com sua própria consciência. O Diabo, que conhece bem o caminho para a consciência humana, tenta a todo custo prevalecer em meio aos conflitos que cria em nossa razão, prevalecer por provocar em nós ações revolucionárias de interesses particulares versus interesses gerais. Duplicidade de interesses que se entrecruzam na via do direito/dever, classes sociais antagônicas, alienação/politização, fé/ateísmo, na liberdade ou supressão religiosa de vida dos homens.

“O acaso... é um Deus e um diabo ao mesmo tempo.”
Machado de Assis.

REFERÊNCIAS:

ASSIS, Machado de. A Igreja do Diabo. Contos. São Paulo: Ciranda Cultural. 2010. (Clássicos da Literatura).

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 14 ed. ver. São Paulo: Ática, 2006.

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas (1956), romance.

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