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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tempo



Hoje, acordei mais cedo do que nos dias normais, lembrei do cheiro do café sendo feito ainda de madrugada pela minha querida vovó, a fumaça densa que subia do fogão de lenha e tomava conta de toda casa, fazendo agente sentir à respiração ficar mais lenta. Recordei a década de 80 quando em períodos de seca, a água era um bem tão difícil de encontrar que ao serem trazidas em carros pipas do exército brasileiro, pessoas se aglomeravam em filas enormes, com o objetivo de conseguir algumas latas com esse produto tão precioso. O feijão doado pelo governo “Jajá” era difícil de cozinhar e quase não existia mistura ou tempero para o mesmo, sentava todos ao chão e amassávamos os grãos como se estivéramos amassando barro, era os chamados “macaquinhos de feijão”; termo utilizado de maneira inocente, mas com intuito pedagógico de fazer com que eu e meus irmãos comessem àquele alimento com satisfação. Fiz uma viagem de volta ao túnel do tempo, às lembranças de minha infância e lá estava eu novamente, brincando com os carros feitos de lata de óleo que meu pai me trazia e que faziam meus olhos saltitarem de orgulho por ter um pai maravilhoso que se preocupava comigo. Vi meu avô conduzindo os “tropeiros” que desciam da serra de Santana em busca de abrigo na casa do velho “Chico do Bodó”, curtidor de couro, vaqueiro, barbeiro e “contador de causos”; a velha esposa sempre na cozinha a abanar as brasas do fogão, acrescentava as panelas os ingredientes do almoço, afinal tínhamos mais gente para a ceia. Era um burburinho grande, cavalos se amontoavam no curral no fundo da casa velha, mulheres se enfeitavam numa época que “os bobes” de cabelo eram o sinal de disputa entre elas, quanto mais “bobes” tinham espalhados na cabeça mais condições financeiras elas detinham. Como era engraçado ver aquela cena! As crianças tinham obrigação de pedir a bênção aos mais velhos, aos parentes ou mesmo os que não eram “aderentes” numa ladainha única de respeito para com os mais velhos e ao sentarem pra realizarem as refeições, a ordem era esperar até que a última pessoa sentasse a mesa e o dono da casa fizesse a oração de agradecimento pelos alimentos e feito o sinal da cruz em consideração ao sacrifício de Jesus Cristo. Tudo era muito sincronizado, a farinha não podia faltar à mesa, a carne de bode, o jerimum e fava amargosa de caroços brancos e grandes. O suco de limão era um acompanhante preferido com uma sobremesa de rapadura raspada, ou quem preferia juntava o último ingrediente a um copo com água e mexia, produzindo assim a famosa garapa de rapadura. A noite chegava, era o momento de dormir, afinal tínhamos que levantar cedo para caminhar até o curral e retirar o leite das poucas vaquinhas, o que iria garantir a colhada e a mistura do cuscuz de milho moído, feito em um prato sobre uma panela de barro. Dormíamos pensando nas estórias contadas na calçada de casa sobre lobisomem que rondava a região, os heróis do sertão, os ciganos que amedrontavam a cidadezinha com sua “língua própria”, seus costumes e sua maneira bárbara de impor sua força sobre aqueles que o ameaçavam ou não os compreendiam. É, o tempo passou, mais a saudade continua da época em que eu podia abraçar a algaroba, nadar no açude próximo de casa, andar sobre a garupa do cavalo acompanhado do meu velho Chico, rumo à vaquejada que ainda sobrevive na cultura dos santanenses e poder ver a fé daqueles que ainda não haviam sido prostituidos pela variedade de idéias sobre quem seria Deus. Deus, ele sempre foi pai e não padrasto! Oh! Lembranças da minha infância, silêncio dos que dormem no interior da terra. Baú de recordações de um passado que luta para não ser esquecida, neblina que dissipa pensamentos de um “tempo” e rebento que almejamos de volta aos nossos dias!

3 comentários:

  1. Amigo.... que texto exelente, vc escreve muito bem, eu me senti como se estivesse lá com vc, muito bom.

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  2. Caro Jufran

    Lendo essa crônica, por momentos relembrei os momentos vividos na infância, avistando o pé da serra grande, lá em Residência, comunidade de Santana do Matos. Excelente texto, estilo próprio, aprimorado e oportunizando uma leitura saudosita e de bom conteudo. A simplicidade explícita revela sensibilidade e a consistência pelos valores adquiridos e insubstituíveis. O Jornal Cajarana continua com espaços em branco aguardando seus textos para publicar. Sua ausência da cidade deixou uma lacuna na educação e no mensário local continua o nome da coluna "Circulando" marca registrada de sua criação. Um abraço.

    Dutra Assunção

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  3. UMA CRÔNICA MUITO BOA. CHEIA DE TRAÇOS POÉTICOS E PINCELADAS DE CONTO. ASSIM É JUFRAN, UM MISTO DE SENTIMENTOS. UM ESCRITOR ÍMPAR, DETENTOR DE UMA SABEDORIA E SENSIBILIDADE PARTICULAR. PARABÉNS, QUERIDO AMIGO. SEU TEXTO É MARAVILHOSO!

    ____________
    RÔMUO GOMES

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